
Criado por Pierre Corbinais, com desenvolvimento da The Pixel Hunt em colaboração com Christophe Galati e Exaheva, Wednesdays é uma obra peculiar que coloca o jogador dentro de um espaço íntimo e de desconforto emocional intencional, envolvendo uma infância marcada por divórcios, visitas forçadas e silêncios pesados.
Longe das experiências tradicionais de narrativa interativa, Wednesdays opta por contar sua história por meio de fragmentos. Curto em duração e contido em sua proposta, é o tipo de jogo que não depende de grandes mecânicas ou gráficos impressionantes para deixar uma marca, pelo contrário, é no não-dito, no simples e no incômodo que ele constrói sua força.
Inspirado por experiências autobiográficas e memórias emocionais, o jogo busca evocar sentimentos familiares a quem já enfrentou a complexidade emocional dos laços familiares interrompidos. O resultado é uma obra pequena em escopo, mas grande em intenção.
UMA HISTÓRIA CONTADA PELO OLHAR INFANTIL
A narrativa de Wednesdays gira em torno da ausência de voz, de contexto, de certezas. O jogador assume o papel de uma figura silenciosa que visita regularmente uma mulher em coma.
A natureza do relacionamento entre eles nunca é explicitada, e isso é proposital. Em vez de entregar uma linha do tempo ou exposição narrativa tradicional, o jogo confia na sensibilidade do jogador para preencher os vazios.
Cada “quarta-feira” representa um novo capítulo, mas com variações mínimas, onde pequenas mudanças visuais e interativas sugerem o passar do tempo e o desgaste emocional. A repetição do cenário, dos gestos e da atmosfera criam uma sensação de espera interminável, como se o personagem estivesse preso a uma promessa silenciosa de cuidado, arrependimento ou negação.
Os poucos elementos da narrativa emergem através do que não é dito e as ações sugerem memórias, arrependimentos ou tentativas de conexão perdidas. O jogador não é conduzido, mas convidado a interpretar tanto o ponto mais forte quanto o mais exigente da obra, tornando a narrativa um espelho emocional, onde o reflexo depende inteiramente do envolvimento do jogador.
Essa abordagem pode ser frustrante para quem busca uma história com começo, meio e fim tradicionais. No entanto, para quem valoriza o subtexto e a liberdade de interpretação, Wednesdays entrega uma das experiências mais singulares do gênero.
ESCOLHAS SILENCIOSAS E IMPACTO SUBJETIVO
A jogabilidade de Wednesdays é sutil, quase imperceptível à primeira vista, mas carrega um significado profundo. O jogador pode andar pelo quarto, escolher se aproxima ou não da cama, interagir com objetos limitados e realizar ações banais como abrir uma janela, mudar o canal da TV ou até mesmo tocar no braço da paciente.
Essas escolhas não são julgadas nem recompensadas com “feedbacks” tradicionais. Não há notificações, barras de progresso ou finais múltiplos evidentes, o jogo propõe uma imersão puramente emocional, onde a motivação não está na consequência prática das ações, mas no valor subjetivo que o jogador atribui a elas.
Conforme os dias passam, é possível perceber alterações sutis nas opções interativas. Uma flor desaparece, um novo objeto aparece, a reação da paciente muda ligeiramente.
Essas variações funcionam como pequenos sinais de que algo está mudando, mas nunca rápido o suficiente para parecer esperançoso. É uma progressão que simula a vida real, cheia de incertezas, imperceptível no dia a dia, mas evidente ao olhar para trás.
Essa estrutura faz com que cada pequena ação se torne carregada de significado, onde um simples toque de mão pode soar como um grito emocional.
No entanto, para jogadores acostumados com sistemas mecânicos, pode ser difícil compreender a “lógica” por trás da experiência. A ausência de objetivos claros exige uma nova postura, jogando não para vencer, mas para sentir.
UM AMBIENTE NU, MAS CHEIO DE SENTIDO
Visualmente, Wednesdays adota uma estética pixel art crua e deliberadamente limitada, com tons monocromáticos e linhas duras. O ambiente, essencialmente uma sala hospitalar, é repetido, mas pequenos detalhes mudam com o tempo, convidando o jogador a observa-lo com mais atenção.
A trilha sonora é quase inexistente, composta por ruídos ambientes, o som da máquina de suporte à vida e ocasionalmente, uma música discreta.
O silêncio aqui não é ausência, mas uma linguagem que amplifica a tensão emocional, a sensação de vazio e a intimidade da situação. Quando um som diferente acontece, ele carrega peso narrativo extremamente significativo.
Esse minimalismo audiovisual é parte do impacto emocional do jogo. Sem a obrigação de tenta ser bonito ou impressionante visualmente, ele mostra uma realidade crua e íntima, cumprindo seu papel com emocional maestria.
UMA EXPERIÊNCIA QUE CONTINUA DEPOIS DO FIM
A maior força de Wednesdays talvez esteja na forma como ele permanece com o jogador mesmo após o encerramento. Ele não se resolve em uma conclusão dramática ou revelações grandiosas, na verdade, o final pode parecer abrupto, quase como se o jogo tivesse sido interrompido no meio, mas esse é o seu ponto alto.
A proposta de Wednesdays é refletir sobre o tempo, o cuidado e a espera, e não oferecer uma reviravolta emocional tradicional. O encerramento da jornada deixa um vazio semelhante ao que o próprio personagem vive, passando o sentimento de ausência continua, mesmo após o termino do jogo.
Essa decisão de não entregar uma conclusão clara pode ser polarizadora, fazendo com que jogadores que esperam um “payoff emocional” ou narrativo podem se sentir desapontados. No entanto, essa “não-resolução” é coerente com a temática da obra., deixando claro que nem toda relação tem desfecho, nem toda dor pode ser processada e nem todo jogo precisa terminar dizendo “fim”.
Além disso, a repetição ritualística das visitas convida o jogador a reavaliar seu próprio comportamento, despertando perguntas como “Por que você voltou?” ou “O que esperava encontrar?”, propondo uma metalinguagem sobre a nossa relação com o tempo, com a espera e com a necessidade de respostas.
No fim, Wednesdays se comporta menos como um jogo e mais como um diário emocional interativo. A jornada do personagem ecoa em quem joga, e o que permanece não é o enredo, mas a sensação de ter habitado aquele espaço, mesmo que brevemente.
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- Games
- 24 de março de 2025
- 8,0Total Score
Um retrato íntimo do luto e da rotina, Wednesdays aposta na simplicidade para alcançar profundidade e acerta ao transformar o ordinário em poesia interativa.