
Quando visitamos Mandragora: Whispers of the Witch Tree pela primeira vez em nossa Preview, destacamos o potencial brutal e melancólico do mundo construído pela Primal Game Studio. Agora, após nos afundarmos por completo em sua escuridão, fica claro que o jogo não se limita a uma jornada por ambientes corrompidos — ele é, acima de tudo, uma meditação sobre o fim da humanidade como conceito, não apenas como espécie.
Classificado como um RPG de ação com combate tático e ambientação 2.5D, Mandragora escapa da superficialidade de tantos outros “soulslike” e oferece algo mais raro, com uma experiência que incomoda, provoca e exige atenção plena. Sua proposta narrativa vai além da estética gótica, ela se infiltra no controle dos personagens, no peso de cada golpe e na forma como o silêncio dos cenários fala tanto quanto os poucos diálogos.
O que antes parecia promissor agora se revela cruel e autêntico, num mundo em que a esperança não é um recurso, é um fardo. Mandragora não está interessado em heroísmo, mas em expor, camada por camada, a fragilidade de ser humano quando o mundo já desistiu de si mesmo.
Se você ainda não leu nossa análise inicial, vale a pena visitar a Preview de Mandragora: Whispers of the Witch Tree antes de prosseguir. Esta Review é a continuação direta dessa jornada implacável, agora com olhos mais calejados e uma visão completa da experiência.
O Chamado das Sombras
Antes de mergulharmos nos sistemas e camadas de Mandragora: Whispers of the Witch Tree, há um primeiro contato inevitável, quase ritualístico, que merece ser vivido — o trailer de lançamento.
Com pouco mais de dois minutos, o vídeo não apenas apresenta o jogo, ele o sentencia. A trilha tensa, o contraste entre luz e escuridão, os closes na dor dos personagens, tudo convida o jogador não a se empolgar, mas a se preparar.
O mundo de Mandragora não busca salvar ninguém. Ele apenas resiste, se contorce, e assiste enquanto os humanos implodem sob o próprio peso.
O trailer é uma síntese brutal da proposta artística do jogo, que apresenta melancolia estética, violência poética e uma ambientação que parece arrancada de um pesadelo de Nietzsche com contornos barrocos. Cada frame reforça o que descobriremos com mais clareza nos próximos blocos — aqui, a natureza não apenas morreu, ela foi amaldiçoada pela eternidade.
Assista abaixo e permita-se absorver o que Mandragora tem a dizer — mesmo sem palavras.
O Peso do Combate — Tático, Doloroso e Implacável
Em Mandragora, o combate é uma linguagem e ela fala com dor, sofrimento e melancolia.
Esqueça as coreografias frenéticas e a dança elegante dos ARPGs mais populares. Aqui, cada movimento tem consequência, cada golpe falhado é uma sentença, e cada vitória é arrancada à força do sistema de combate.
O jogo adota uma abordagem que mistura elementos táticos com ação em tempo real, onde tempo e espaço são tão letais quanto os inimigos. Não basta apenas socar os botões, é preciso ler padrões, estudar ângulos e entender o ritmo cruel do mundo — se você for impaciente, o jogo vai lembrar você disso da forma mais cruel e implacável possível.
Há peso em tudo . . . o golpe do inimigo não apenas te atinge, ele pode até interromper seus pensamentos e antecipar seus movimentos. A defesa, limitada e rígida, não é um abrigo, mas uma aposta . . . a esquiva não é uma libertação, é seu último suspiro.
E no meio disso tudo, seu personagem parece tão humano quanto deveria — vulnerável, hesitante e frágil.
Esse sistema exige do jogador não apenas habilidade, mas uma mudança de mentalidade, que força você a desaprender os vícios do heroísmo automático. Em Mandragora, a vitória nunca é dada, ela é negociada com suor, paciência e uma boa dose de frustração — o que, curiosamente, também reforça o sentimento de triunfo quando ela finalmente chega.
E o que dizer dos chefes gigantescos, grotescos e silenciosos?
Eles não precisam rugir para serem aterrorizantes, basta existir que, o medo corre por todos os musculos dos dedos ao encontra-los. Cada um representa uma ideia corrompida como fé, poder, natureza e tempo.
Lutar conta eles é como confrontar uma entidade metafísica, e não apenas um inimigo programado com movimentos previsíveis. E essa escolha de design, tornar o combate não apenas divertido e desafiador, mas significativo e ousado — exatamente por isso que funciona tão bem.
Um Mundo em Ruínas — Level Design, Ambientação e Ritmo Narrativo
Se o combate de Mandragora é o fardo físico, o mundo que o cerca é o fardo psicológico. A ambientação do jogo não está apenas a serviço do visual, ela também envolve toda a narrativa.
Cada cenário não foi apenas desenhado para ser belo (ou grotesco), mas para contar uma história sobre decadência, fé perdida e a inevitabilidade da ruína humana.
A progressão lembra uma colcha de retalhos esquecida por deuses mortos quando somos apresentados à vilarejos apodrecidos, florestas que parecem suspensas entre sonho e delírio, ruínas que ecoam sussurros de algo que já foi grande, mas colapsou sobre sua própria ignorância.
Mandragora é um jogo sobre vestígios, sobre caminhar por lugares onde a esperança foi enterrada, mas nunca descansou no berço da paz.
O level design é intencionalmente labiríntico, com atalhos sutis e armadilhas que não parecem armadilhas. A exploração é recompensadora, mas não com tesouros, com entendimento.
À medida que avançamos, a sensação de “o que aconteceu aqui?” se transforma lentamente em “o que ainda está acontecendo aqui?”. E é aí que o mundo de Mandragora se diferencia — ele não é um palco, é um organismo em decomposição, ao qual você não apenas está dentro dele, como também faz parte dele.
Seu ritmo narrativo segue lento, denso e, por vezes, exaustivo de forma proposital, onde a história não se entrega de bandeja, ela flerta o tempo todo com o jogador. Fragmentos de lore, diálogos curtos e silêncios eloquentes preenchem as lacunas.
Não há pressa, não há condução de mão dada, o jogo espera que você se perca, e talvez, que desista. Mas, se persistir, perceberá que há uma grandeza escondida em cada ruína, uma verdade amarga por trás de cada mural desbotado.
Mais do que uma escolha estética, o design de Mandragora é uma crítica silenciosa. Ele mostra que o fim do mundo não chega em chamas, mas sim em silêncio, poeira, e no ranger cansado de uma estrutura que ainda insiste em ficar de pé, mesmo depois de tudo que sofreu com o passar das gerações de destruição e ruínas.
Humanidade Fraturada — Personagens, Vozes e Vidas em Ruínas
Em Mandragora, não há heróis no sentido tradicional, as figuras que cruzam nosso caminho são tão quebradas quanto o mundo que habitam. Carregam dores, dilemas, e em muitos casos, segredos que prefeririam manter enterrados.
São personagens marcados pela sobrevivência, não pela glória, e é exatamente por isso que são tão humanos — ou pelo menos, eram.
A escrita dos NPCs segue a mesma linha melancólica da ambientação, apresentando uma comunicação seca, sem floreios, mas carregada de subtexto. Ninguém diz exatamente o que sente, mas você sabe o que está por trás de cada frase curta e olhar perdido.
Um ferreiro que afia lâminas para guerreiros que não voltam, um curandeiro que já não acredita na cura, uma velha que fala com as sombras como se fossem netos. Cada personagem é uma ferida aberta, de um passado destruído.
As vozes, quando presentes, não são apenas dublagens, elas se apresentam como performances.
As atuações trazem um peso emocional que reforça o senso de desolação e desgaste. Há um cansaço no tom, uma falta de esperança que se comunica mesmo sem palavras — é um mundo onde ninguém está bem, e todos fingem que isso é normal.
E mesmo o protagonista, por mais forte ou habilidoso que se torne, nunca parece invencível. Mandragora insiste em lembrar que você não é um salvador, é apenas mais um tentando sobreviver a algo maior que si mesmo.
As escolhas morais, embora discretas, aparecem em momentos chave, e raramente oferecem finais felizes. O jogo não quer saber se você está certo ou errado, apenas se está disposto a pagar o preço das suas escolhas.
Essa camada humana, ou melhor, desumanizada, reforça a mensagem central do jogo, de um mundo que perdeu tudo, inclusive a si mesmo e, ainda se pergunta se vale a pena lutar por algo. A resposta nunca vem fácil, mas as histórias que você encontra pelo caminho são pistas fragmentadas de que talvez . . . sim, vale a pena lutar pelo que você acredita ser correto.
Estética da Desolação — Visual, Direção de Arte e Imersão Sensorial
Mandragora não aposta em fotorrealismo, mas em identidade real, que ressalta suas densidade com muito estilo.
A direção de arte abraça uma paleta gasta, feita de ocres enferrujados, azuis mortos e verdes fúnebres, cores que parecem roubadas de um mundo que já se esqueceu do que é viver. Cada cenário é como um quadro pintado à mão com as cinzas de uma civilização em colapso.
Mas, o visual não está apenas belo, está intencionalmente feio, no melhor sentido possível.
Há uma beleza na decadência, e o jogo sabe explorá-la com maestria. As texturas dos ambientes são sujas, corroídas, cheias de rachaduras e camadas que contam histórias sem palavras — nada está novo, nada está limpo, nada está fácil, e esse é o ponto.
O uso de luz e sombra é um espetáculo à parte . . . lanternas lançam brilhos trêmulos que parecem perder a luta contra a escuridão ao redor. Labaredas se espalham por pântanos com vida própria, e os clarões da magia não iluminam, apenas revelam o que estava escondido, por um segundo breve e aterrorizante.
Essa estética gótica, por vezes barroca, por vezes grotesca, dá ao jogo um clima quase teatral, como se cada frame fosse uma cena encenada no palco da decadência.
Na parte sonora, Mandragora trabalha com uma trilha sutil, quase sempre ausente, que só aparece quando o silêncio se torna pesado demais. São acordes espaçados, ruídos ambientais e sons orgânicos que contribuem para o desconforto.
O estalo seco de uma árvore morta, o arrastar de garras no chão de pedra, o sussurro de algo que talvez nem esteja lá. O som aqui é mais arma de ambientação do que trilha sonora — e cumpre seu papel com precisão cruel.
O jogo sabe exatamente o que mostrar, quando mostrar e como esconder.
A imersão é profunda não porque tudo é “bonito”, mas porque tudo é coerente e grita com o mesmo sentimento de um mundo que já foi, mas que ainda respira . . . mal, mas respira. E você está preso nele, ouvindo cada suspiro.
A Alma do Combate — Mecânicas, Progressão e Peso nas Mãos
Se o mundo de Mandragora é cruel, o combate é seu reflexo mais honesto ao demonstra sua essência sem piedade, sem pressa e sem promessas. A jogabilidade se ancora em um sistema de combate tático em tempo real com pausas breves entre as decisões — um meio-termo entre ação crua e reflexão estratégica.
Cada golpe, esquiva ou bloqueio tem seu peso, e não apenas em termos visuais ou sonoros, mas em consequências também. A movimentação é calculada, não existe espaço para o “mash” desenfreado de botões, atacar exige intenção, timing e consciência do que vem em seguida.
Espadas longas são lentas mas brutais, adagas são rápidas mas nos deixam vulneráveis, magias drenam energia com a mesma facilidade que abrem caminho. Cada arma tem seu ritmo, e o jogador precisa dançar dentro do compasso — ou morrer tentando.
A progressão do personagem não é sobre se tornar um deus implacável, mas sobre moldar sua sobrevivência à sua forma de pensar.
As árvores de habilidades oferecem ramificações interessantes, mas nunca excessivas. Sempre há uma build distinta que guia exatamente pela linha de progressão que você quer priorizar — seja resistência, força bruta, controle de grupo ou domínio do campo de batalha. As combinações são inúmeras, abrindo espaço para experimentações criativas e estilos de jogo surpreendentemente eficazes.
Suas escolhas falam tanto sobre você quanto suas ações no jogo. E sim, é possível errar ao construir mal, avançar demais ou confiar no poder, quando devia ser mais cauteloso.
A inteligência artificial dos inimigos não revoluciona o gênero, mas surpreende com pequenos detalhes como emboscadas, recuos estratégicos, interrupções em padrões previsíveis. É o suficiente para forçar o jogador a manter-se atento — especialmente em lutas contra chefes, que não são apenas maiores, mas mais teatrais, simbólicos e, em alguns casos, quase filosóficos.
Enfrentar uma criatura de Mandragora raramente é só uma luta . . . é um confronto com a ideia que ela representa.
Essa fisicalidade do combate — esse “peso nas mãos” — é parte essencial da imersão. Você sente o impacto, sabe que cada erro custará caro, que o jogo não vai te dar uma saída elegante. E talvez por isso mesmo, quando você vence . . . é porque realmente mereceu.
Ecos do Fim do Mundo — História, Simbolismos e a Filosofia da Queda
Mandragora não te oferece uma história linear sobre heróis e vilões, oferece uma fábula arruinada sobre o que resta quando o mundo quebra, e quem somos quando quebramos com ele.
O enredo começa com uma premissa simples de um mundo dominado pela Entropia, onde o próprio tecido da realidade se desfaz em decadência, fanatismo e fragmentos de memória. Mas, o que parece ser uma jornada clássica de redenção, logo se mostra algo muito mais pessoal e filosófico.
Os diálogos são densos, recheados de subtextos e metáforas, como se cada personagem estivesse carregando o peso de gerações nas costas. Poucos falam diretamente e, os que falam, mentem, distorcem ou lamentam.
O jogador precisa ler nas entrelinhas, escutar o que não foi dito e prestar atenção ao que o cenário revela em silêncio.
A narrativa é dividida por zonas e regiões que contam pequenas histórias em forma de fragmentos de tragédias, registros perdidos, ruínas que sussurram mais do que explicam. A estrutura lembra um diário despedaçado que não entrega tudo de uma vez, mas flerta em toda oportunidade possível — e esse é o ponto chave.
Mandragora não exige que você compreenda tudo, mas que você sinta e aceite o desconforto de não ter respostas fáceis.
Cada criatura grotesca, cada seita fanática e cada ruína esquecida, carrega simbologias densas de medo da mudança, ódio ao desconhecido, peso das tradições mortas, desejo insaciável de controle.
Tudo ali tem uma função narrativa, não é “design pela estética”, é “design pelo significado”. Mandragora não está apenas contando uma história, está te convidando a interpretar um mundo à beira do esquecimento.
E talvez a mensagem mais poderosa da obra esteja justamente na sua ausência de certezas.
Não há um “final feliz” garantido e não há um “vilão definitivo”. O jogo te força a encarar a queda do mundo, não como um desastre externo, mas como um reflexo interno.
E ficamos com o sentido de . . . O que vai quebrar primeiro? A realidade ou nossa crença de que ela ainda pode ser salva?
Veredito Final — O Fardo de Ser Humano no Fim do Mundo
Mandragora: Whispers of the Witch Tree não é um jogo que busca agradar — ele confronta, desafia e silencia.
É o tipo de obra que arranca do jogador mais do que horas de jogo, também arranca todas as suas convicções. Ele pergunta, com brutal honestidade, o que ainda resta quando tudo está corrompido.
E a resposta, muitas vezes, é . . . você!
Sim, há falhas em algumas mecânicas que ainda são ásperas, a curva de dificuldade pode ser um pouco impiedosa e, em certos momentos, o jogo exige mais do jogador do que oferece em retorno imediato. Mas, tudo isso serve ao mesmo propósito de manter a experiência íntegra, real e inflexível.
O grande mérito de Mandragora não está em reinventar o gênero, mas em respeitá-lo enquanto mergulha fundo em sua essência narrativa, filosófica e estética. Ele entende que RPGs sombrios não precisam só ser difíceis . . . eles também precisam carregar algo significativo com essa dificuldade.
Se você procura um RPG atmosférico, com peso, propósito e um mundo que respira decadência e beleza na mesma proporção, Mandragora não é apenas recomendado, é essencial para uma geração que ainda busca significado em meio ao caos.
Uma cicatriz que vale a pena carregar!
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- Games
- 25 de abril de 2025
- 9.0Total Score
Mandragora é brutal, belo e profundamente humano. Um RPG sombrio que não perdoa, mas recompensa com alma, peso e propósito . . . um fardo digno de ser carregado.